A prova pericial nos crimes de descaminho
O crime de descaminho nada mais é do que não pagar o tributo ou direito previsto em lei, pela introdução, saída ou consumo de mercadoria em território nacional, essa é a modalidade básica.
Há outras condutas que podem assemelhar-se ao crime de descaminho, como importação fraudulenta ou a venda de mercadorias estrangeiras sem pagar o respectivo tributo/imposto.
O que importa nesse momento, é discorrer sobre o laudo merceológico ou a respectiva perícia das mercadorias apreendidas no momento do mandado de prisão ou flagrante delito no crime de descaminho.
Poucas pessoas sabem, mas o descaminho é um crime não transeunte, ou seja ele deixa vestígios, é possível analisar as mercadorias apreendidas com cautela ao fito de atestar a procedência estrangeira da última e solicitar a nota fiscal do proprietário e verificar se os tributos foram pagos.
Portanto, a perícia das mercadorias apreendidas é o laudo merceológico, que atesta a procedência estrangeira das mercadorias apreendidas.
Essa deveria ser a regra, mas de forma lamentável, nossos tribunais vem inovando na ordem jurídica e criando situações que violam as regras da lei, em especial em regiões de fronteira como Foz do Iguaçu (onde fica a nossa sede), Ponta porã no mato grosso do sul, Guaíra e Barracão, ambos também no Paraná e por fim Santana do Livramento no Rio Grande do Sul que faz fronteira com Rivera no Uruguai.
De acordo com a jurisprudência do TRF da 4ª Região o laudo merceológico é prescindível para a condenação do réu pelo crime de descaminho:
PENAL. PROCESSO PENAL. QUADRILHA E BANDO (ART. 288 DO CP – REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.850/2013). CONTRABANDO (ART. 334 DO CP – REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 13.008/2014). RECEPTAÇÃO (ART. 180 DO CP). PRELIMINARES. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE. NEGATIVAÇÃO AFASTADA. ANTECEDENTES. TRÂNSITO EM JULGADO POSTERIOR. POSSIBILIDADE. FATO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. CULPABILIDADE. AFASTAMENTO DA NEGATIVAÇÃO. CONCURSO DE AGRAVANTES. OPERAÇÃO ÚNICA DE AGRAVAMENTO. MULTA. SIMETRIA COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. REGIME INICIAL. AJUSTE. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. AJUSTE. SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO PAGAMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE NESTA VIA. PEDIDO NÃO CONHECIDO.
2. O laudo merceológico não é essencial para apurar a materialidade dos delitos previstos no artigo 334 e 334-A do Código Penal se outros elementos probatórios puderem atestá-lo.
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. ARTIGO 334-A, § 1º, I E V, DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. NÃO REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ELABORAÇÃO DE LAUDO MERCEOLÓGICO. PRESCINDIBILIDADE. AUTORIA. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. ANTECEDENTES. NEGATIVAÇÃO E QUANTUM DE AUMENTO MANTIDOS. SUBSTITUIÇÃO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR MANTIDO. SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO PAGAMENTO. ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS. IMPOSSIBILIDADE NESTA VIA. PREQUESTIONAMENTO.
3. O laudo merceológico não é essencial para apurar a materialidade do delito previsto no artigo 334-A do Código Penal se outros elementos probatórios puderem atestá-lo.
No entanto, há uma minoria que ainda insiste e diz que o laudo merceológico ou a perícia é necessário para comprovar a materialidade do crime de descaminho, mas lamentavelmente, não fazem parte do tribunal regional federal da 4ª região que possui uma jurisprudência muito mais dura e punitivista que as dos outros tribunais regionais federais:
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, §1º, “D”, C/C ARTIGO 29, DO CODIGO PENAL. MÁQUINAS TIPO CAÇA NÍQUEIS. COMPONENTES ELETRÔNICOS. DENÚNCIA INÉPTA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. 1 – Pelo que se depreende da exordial, as condutas típicas subsumem-se a dois tipos penais: a) crime de descaminho (MEP’s desprovidas de documentação fiscal de regular importação) e b) crime de contrabando (partes e componentes eletrônicos das MEP’s cuja entrada em território nacional é proibida). 2 – Observa-se que embora a descrição dos fatos e enquadramentos legais constantes do AITAGF apresente fundamentação relativa à “Mercadoria Estrangeira Sem Documentação Comprobatória de Sua Importação Regular”, ao final, quando da “discriminação das mercadorias”, a origem e/ou o país de procedência das máquinas não foram designadas. O Laudo de Exame Merceológico, por sua vez, procedeu à avaliação indireta das mercadorias através dos dados contidos no AITAGF e relação discriminativa a ele anexado, homologando-o. 3 – Dessa foram, ressalta-se o escasso valor probatório do laudo pericial, já que feito como avaliação indireta, com base apenas no conteúdo do documento fiscal, sendo, portanto, inconclusivo. 4 – Em resumo, não se sabe a origem das máquinas, tampouco a que peças e componentes a denúncia se refere, não estando, portanto, minimamente configurada a materialidade delitiva, seja do contrabando, seja do descaminho. 5 – Ainda que se argumentasse que a materialidade delitiva pudesse ser caracterizada no curso da ação penal, embora, como se sabe, para o recebimento da denúncia, a materialidade delitiva deveria estar cabalmente demonstrada, a inicial sequer descreve o dolo dos denunciados, e, ao contrário, suscita relevante dúvida
Infelizmente, os tribunais tem fechado cada vez mais os olhos para as regras do devido processo legal, visando cumprir metas estabelecidas pelo CNJ e julgar com celeridade do que realmente cumprir a lei, olhe a diferença das decisões dos anos 1990 dessas que foram acima apresentadas:
No delito de descaminho é essencial a prova da origem estrangeira da mercadoria (TRF da 4º R. Ap. 39.532, DJU 6.9.95 p.58218).
Se os técnicos foram incapazes de fundamentar a conclusão quanto á procedência dos bens sentenciados, inexistindo outras provas que indiquem procedência estrangeira, impõe-se a absolvição (TRF da 1º região, ap. 291 DJU 18.6.90, p.130179).
É insuficiente para a comprovação da procedência estrangeira das mercadorias sua classificação, no termo de guarda lavrado pela receita federal, como bens de origem não declarada (TRF da 3º R. RT 728/668).
Denúncia: Para seu recebimento, a procedência estrangeira deve vir respaldada por exame pericial, não se admitindo postergar, para momento ulterior à denúncia, a configuração de um elemento do tipo (TRF da 2º R. RCr 96.02.01711-2/RJ, mv DJU 17.9.96, p. 68861, in RBCCr 17/538).
Por fim, cabe ao advogado traçar uma estratégia para proporcionar o melhor resultado na causa que atua, afinal as decisões variam bastante de tribunal para tribunal.