O STF e a lei de improbidade administrativa

Como todos sabem a lei de improbidade administrativa foi muito modificada pela lei nº 14.230/2021, que de acordo com o Ministério Público, desidratou e muito o combate a corrupção no Brasil, gerando grande impunidade e o desagrado das instituições brasileiras com a mudança.

Seguindo o curso natural dos acontecimentos jurídico no Brasil, a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a repercussão geral, por meio do ARE 843989 tema 1.199, que fixou as seguintes teses:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

Como se já não bastasse o Ministro Alexandre de Morais na ADIN nº 7.236/DF concedeu medida cautelar requerida pelo Procurador Geral da República, Augusto Aras, que suspendeu os seguintes dispositivos da nova lei de improbidade administrativa:

• Art. 1º, § 8º da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021

Esse dispositivo afasta a caracterização de improbidade na hipótese de “divergência interpretativa da lei”.

Para o ministro, o dispositivo é muito amplo e gera insegurança jurídica. “De fato, embora o propósito do legislador tenha sido proteger a boafé do gestor público que confia e adota orientações exaradas pelo Poder Judiciário a respeito da aplicação da lei, preservando-o de eventuais oscilações jurisprudenciais, deve ser reconhecido que o critério estabelecido no art. 1º, § 8º, da LIA, é excessivamente amplo e resulta em insegurança jurídica apta a esvaziar a efetividade da ação de improbidade administrativa. baseada em jurisprudência não pacificada”, destacou.

• Artigo 12, § 1º, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021

O dispositivo limita a aplicação da sanção de perda da função pública apenas ao vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente detinha com o poder público no momento da prática do ato de improbidade.

Segundo a decisão, o art. 12, § 1º “traça uma severa restrição ao mandamento constitucional de defesa da probidade administrativa, que impõe a perda de função pública como sanção pela prática de atos ímprobos independentemente da função ocupada no momento da condenação com trânsito em julgado”. Além disso, a previsão foi considerada desarrazoada, pois pode eximir determinados agentes dos efeitos da sanção em razão da troca de função ou da demora do julgamento.

• Artigo 12, § 10, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021

Esse dispositivo foi suspenso porque desconsiderou as diferenças entre o prazo de suspensão dos direitos políticos e o de inelegibilidade. O ministro destacou que, “em princípio, não se afigura constitucionalmente aceitável a redução do prazo legal de inelegibilidade em razão do período de incapacidade eleitoral decorrente de improbidade administrativa”. Trata-se de previsões com naturezas distintas: a suspensão decorre do art. 37, § 4º, da Constituição, ao passo que a inelegibilidade tem previsão no art. 1º, I, da LC 64/90.

“Enquanto a primeira hipótese tem seu fundamento no art. 15 da Constituição Federal (suspensão), a segunda tem seu fundamento no § 9º do art. 14 do texto constitucional (inelegibilidade legal), que somente abrange uma situação de inelegibilidade, posterior ao término da suspensão dos direitos políticos”, afirmou.

• Artigo 17-B, § 3º, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021

O texto da lei prevê nova condição de procedibilidade para a ação – oitiva prévia do tribunal de contas para quantificação de dano. A decisão enfatiza que ao assim dispor, “a norma aparenta condicionar o exercício da atividade-fim do Ministério Público à atuação da Corte de Contas, transmudando-a em uma espécie de ato complexo apto a interferir indevidamente na autonomia funcional constitucionalmente assegurada ao órgão ministerial”.

• Artigo 21, § 4º, da Lei 8.429/1992

O artigo prevê a ampliação dos casos em que os efeitos de decisões em processos penais refletiriam em ações de improbidade, com incidência irrestrita de casos de absolvição. Para o STF, “ a norma questionada afrontaria cabalmente os princípios da
independência das instâncias, do juiz natural, do livre convencimento motivado e da inafastabilidade da jurisdição.

Em análise sumária para concessão da medida liminar, plausível a alegação da requerente”. O ministro destacou que a independência de instâncias, ainda que mitigada, exige tratamentos sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral (civis, penais e
político-administrativos) e os atos de improbidade administrativa.

Artigo 23-C, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021
Esse dispositivo trata da incidência da lei em relação aos partidos políticos. O entendimento do relator foi pelo deferimento parcial da liminar para conferir interpretação conforme ao artigo 23-C, segundo o qual “atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995”.

É notável a grande resistência da Suprema Corte e em especial do Ministro Alexandre de Moraes e do Ministério Público brasileiro como um todo, aceitar a aplicação do direito administrativo sancionador que conduz a aplicação da dogmática penal e dos princípios penais na lei de improbidade administrativa, principalmente quando diz respeito ao instituto da abolitio criminis e da retroatividade da lei penal mais benéfica.

Vamos seguir acompanhando os capítulos dessa novela… Espero que tenham gostado.

Referências:

https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4652910&numeroProcesso=843989&classeProcesso=ARE&numeroTema=1199

https://www.anpr.org.br/imprensa/noticias/27141-stf-suspende-dispositivos-da-lei-de-improbidade-administrativa